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Foto do escritorGláucio Bezerra Brandão

O Anti-Sistema: gerando ideias para startups em 60 segundos


A subversão da ordem pode ser encarada como um estímulo e um possível caminho para a inovação.


Esta postagem foi originalmente divulgada no site www.nossaciencia.com.br e está reproduzida aqui com a autorização do autor.



Anti-Sistema! Fiz até questão de colocar com hífen para exaltar “poeticamente” duas palavras fortes, embora a grafia hodierna seja antissistema (a galera da ABNT gosta destes movimentos linguísticos). Parece até nome para alguma teoria da conspiração… E se seu disser que vou acrescentar ainda a este texto a expressão análise subversiva? Pronto: terei a PF ao meu encalço… Quiçá, o FBI? Por isso o título deste artigo contém apenas Anti-Sistema.


Mas antes de eu ser enquadrado na lista dos Top Ten da Interpol, quero adiantar que tratam-se de métodos adaptados por mim para as disciplinas que ministro na ECT-UFRN, a título de exercício, e que descobri terem o poder de gerar searas interessantes para novas ideias, novos projetos e, em um espectro maior, startups. Sim: startups geradas a partir teorias de conspiração! Massa, né não?


Quando e como aconteceu isso, Samurai Jack, de pensar em anti-algo e subversão criadora? Em meados de 2016, fui convidado a ministrar uma palestra sobre inovação e empreendedorismo em evento de formatura da turma de Engenharia Civil da UFRN. Sessenta minutos depois – parece até nome de filme – acontecem as velhas perguntas: P1) “Se o senhor fala tanto de empreendedorismo, por que não tem uma empresa?”, e P2) “Com todas estas teorias, de forma bem sintética, como eu posso aplicar para criar uma startup?”. Só pergunta “cacete” de “caras” querendo me sabotar! (fui falar em subversivo…). Traduzindo, “só perguntas pertinentes e interessantes de estudantes aplicados, desejando obter mais conhecimento e aprimorar meu portfólio”. Observe as abordagens subversivas nas perguntas. Em P1, contesta-se o fato de eu propagar o que não aplico. Em P2, a dúvida sobre o método.


Para P1 eu tenho respostas de praxe. Para este evento em particular, pensei um pouco e devolvi à minha inquisidora: “Você poderia me dizer o nome de um piloto de Fórmula 1 famoso, profissional exemplar, no qual repousam todas as expectativas de uma escuderia?”. E ela de pronto: “Ayrton Senna!”. E eu: “Boa! Agora me diga o nome de qualquer um dos mecânicos deste ás do volante, o cara que entende de toda eletrônica e mecânica do carro, que toma leite com óleo de motor no desjejum, e faz do carro uma das máquinas que mais se aproximam da perfeição que conhecemos?”. Acho que nem ela, nem um leitor do Techsocial, vai saber responder a esta pergunta sem consultar algum oráculo. Pois é, o CEO da startup é o(a) mais evidente. A equipe (os outros integrantes), o background (professores e cia), o contexto (a universidade, os colegas de quarto, o tempo certo), são geralmente ignorados. Quem aqui já ouviu falar no professor de Jobs, no monitor de disciplina de Zuckerberg, na professora de Michael Dell, no colega de quarto “pitaqueiro” de Bill Gates? Não que eu esteja com alguma mágoa, ou reclamando, apenas só explico que cada um tem o seu perfil, o seu quadrado, seu encaixe correto. Se a pergunta P1 fosse levada a termo, os mecânicos deveriam ser os melhores pilotos. Os pilotos deveriam ser os melhores mecânicos. Não há uma correlação, percebem? E ainda dou a “voadora final”: se minha tentativa de montar a empresa de biossensores na UFRN tivesse dado certo, não teríamos começado o programa de incubação de empresas da UFRN em 2007. Resumindo: sou um bom mecânico, quero dizer, eletrônico!


Para a pergunta P2, vou dedicar o restante do texto. Ficaram curiosos de como vou me sair desta também, não foi não? Prometo que não terá mais “voadora”.


O Anti-Sistema ou a Anti-Onda

Certa vez, levei dois minutos para mostrar a uma turma de formandos de Engenharia Civil, professores, convidados e pessoal do buffet, como criar insights (aprendi uma versão desse conceito em excelente artigo do mestre em UX Education André Grillo, o qual pode ser visto lá na UX Collective BR, que podem levar ao surgimento de ideias mirabolantes para projetos. Como sempre, devolvo perguntas com perguntas ainda maiores. O leitor pode ver isto como estratégia para ganhar tempo, coisas que aprendemos quando nos tornamos pais. Vamos à P2, aquela que fala do “pra que serve isto”!


A P2, lançada a mim por um jovem mancebo, foi tratada assim: pedi à plateia que pensasse em trinta segundos aplicações para a Engenharia Civil. Tempo! Aí pedi que, em trinta segundos, falassem, ao mesmo tempo, o que tinham pensado. Parecia gol do Alecrim em cima do Palmeiras (essa foi para o professor Calex). “Kkkkkk”, como diriam os poetas do Whatsapp. Nunca ouvi tantas respostas e tão baixa criatividade! A Plateia, sem entender meu sorriso maroto tipo “logo da Amazon”, começou a parar de falar. Fui então à segunda parte da experiência. Lembrem que estou no tempo pós-palestra e tendo que usar teorias para criar startups a jato! Lancei então o próximo desafio: “Agora pensem, em trinta segundos, onde não posso utilizar a Engenharia Civil”. Tempo!


Passados 30 segundos e utilizando o mesmo procedimento, solicitei educadamente: “gritem, ao mesmo tempo, o que vocês pensaram!”. Alguém aí tem decibelímetro? Pois bem, não é necessário! O som estarrecedor do silêncio emitido foi sepulcral. Como uma plateia de quase 100 pessoas não conseguia responder a uma pergunta tão simples? Aumentei o tempo. Um minuto! Dois, três, cinco… Nada! Falei então que tem uma turma de engenheiros civis por aí imprimindo prédio, instalando quilômetros de trilhos de trem em poucos dias por automação, construindo pontes com apenas um homem sentado numa máquina e por aí vai. Isso não é privilégio da galera da Civil, não. Vamos ter de começar a nos adaptar um pouco mais rápido.



Fronteira (IP): O Conjunto do que “não se pode” fazer é maior do que o que se pode fazer. Ambos somados correspondem a 100%. Esse é o limite para sua startup.


A analogia que me vem à mente é a seguinte: imagine que a circunferência azul representa sua inércia psicológica (IP), aquela forjada durante anos por sua cultura, escola etc. Este modo de ver o mundo nos faz pensar que o que sabemos está contido na parte interna da fronteira azul. Esta é minha ideia de sistema, a qual chamo de S. Todo o restante eu defino como anti-S, o rol de coisas que acho que não posso fazer, por exemplo, com minhas habilidades adquiridas. Então veja que desperdício: o espaço fora da minha IP é muito maior e dá para muito mais coisa! Bizarro! O mesmo vale para a minha profissão. Temos que tentar ver além da borda azul, além do limite das obviedades! Isso é empreender inovadoramente.


Voltando à plateia e sendo pragmático, falei sobre alguns projetos que estavam sendo trabalhados no mestrado naquele ano. Citei uma dissertação de 2017, da CinO Lucimar (é assim como chamamos nossos mestres de inovação aqui do MPI, Chief Innovation Officer, ou CInO), Tecnóloga em Cosméticos, que desenvolveu com sua equipe do IFRN um gel que mata piolhos por inanição. A solução foi mecânica, não química, embora ela entenda bem dessa área. Alguém já havia pensado em utilizar a Mecânica pra matar piolho em cabeça de crianças, fora o trivial esmagamento manual? Se ela fosse simplesmente pela química, teria acrescentado uma “fórmula” à miríade existente.


Um outro exemplo. Há algum tempo atrás, as impressões feitas por caixas eletrônicos consumiam um horror de tinta, que tinha de ser reposta. Alguém, utilizando um pensamento não linear, raciocinou da seguinte forma: impressora despeja tinta / para haver tinta é preciso haver um recipiente / se eu remover o recipiente, removo a tinta / posso escrever removendo a tinta? / tenho como remover o pigmento do papel? Eureca: “sim, posso fazer isso queimando!”. O resultado são as impressoras que “imprimem” em papel térmico, sem utilizar uma microgota de tinta. Alguém aqui, em estágio “pré-pinga”, conseguiria começar um raciocínio da forma “quero imprimir sem tinta”? Pois bem: isso foi uma abordagem tipo Anti-Sistema, a mesma que propus aos sabotadores, ou melhor, meus anfitriões do evento. Vocês podem pensar em eventos mil. “Não quero ir à comida ou ao cinema”. Nasceu a iFood e a Netflix, dois anti-sistemas. A Internet, e nosso mestrado, o MPI estão cheios dessas situações. Algumas muito malucas, mas que nos fazem pensar sobre.


A IP faz com que criemos concorrência em uma mesma seara, um mesmo tema, sufocando as soluções e diminuindo o campo para todos. O leitor interessado em entender um pouco mais sobre inércia psicológica pode acessar o artigo Como criar criatividade e entender melhor o que digo. A academia deveria ter uma cátedra específica sobre Anti-Sistema. Imaginem uma sala de aula em que todos aprendessem ensinando? System (aprender) & Anti-System (ensinar)!


Análise Subversiva

As perguntas subversivas – a palavra aqui empregada no sentido de derrubar ideias, são as melhores ferramentas para se identificar causas de problemas até então desconhecidas, agir de modo preditivo, testando princípios pré-estabelecidos e derrubar dogmas, transformando desejos em ciência. A análise subversiva é o anti-brainstorming no qual tudo é permitido.


Seu objetivo maior é o de tentar identificar o que pode acontecer mesmo quando todos os testes ou simulações forem otimistas. As possíveis brechas geradas são perfeitos espaços para o surgimento de novos processos, projetos ou produtos. Uma proposta de algoritmo a ser seguida é sugerida abaixo:

  • Identifique a parte do processo, sistema etc. a ser avaliado;

  • Colete todas as informações técnicas possíveis;

  • Descreva como tal sistema opera;

  • Identifique a qualidade das partes de seu sistema;

  • Procure determinar quais partes do sistema são móveis;

  • Encontre as partes sujeitas a maior carga (no caso de processos, quais os tipos de ações são mais requisitados);

  • Faça uma associação de causa-efeito e

  • Detone! Detone! Detone! Simplesmente, detone!


Detone!

A Volvo é campeã neste tipo de inovações. Foi eleita a fabricante do carro mais seguro de 2018. Segundo ela, “Após 2020 ninguém morrerá em acidente num carro nosso”. Ninguém morre num Volvo XC90 há 16 anos. Ela confia tanto na qualidade de seus veículos que até seu presidente arriscou a própria vida para mostrar de que um caminhão Volvo é feito. Como ela alcançou este índice? Destruindo carros. Muitos! É uma das empresas que mais realizam crash tests no mundo. O cinto de segurança de três pontos não poderia ter sido introduzido por outra marca. Logo, “subversão” está no DNA da Volvo. Volvo é sinônimo de segurança, quando pensamos em termo de Ordem Imaginada. Logo, pensar em segurança é pensar em detonar. System (segurança) & Anti-System (detonação)!


As perguntas arremessadas a mim só me dão mais pique para inovar. Preparo-me para as palestras fazendo a mim mesmo as piores perguntas, algumas até inomináveis para o horário.


Finalizando…

Pare e pense um pouco nas lições subversivas que recebemos todos os dias. Chame isto de estímulo. Junte a isto a constante pergunta: onde e/ou como não posso utilizar isso? Chame isto de um possível caminho para a inovação. Depois conte para gente o que aconteceu.


Assim, quando a vida te arremessar limões, pergunte-se: o que não dá pra fazer com eles?




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